
Esta Observação é resultado de um trabalho de conclusão de curso (TCC) produzido em 2010 onde a proposta é descobrir através de diversos conceitos técnicos se Destino pode ou não ser considerada uma obra de Arte.
Nesta primeira parte teremos:
- Breve introdução histórica da obra
- Resumo das carreiras de Salvador Dalí e Walt Disney
1. INTRODUÇÃO
Em 2003, a Walt Disney Pictures lançava discretamente no The Annecy International Animated Film Festival – famoso festival de animação que ocorre anualmente na cidade de Annecy, na França – um curta-metragem intitulado Destino. Com pouco mais de seis minutos de duração, a obra conta a história de amor entre Chronos, deus do tempo na mitologia grega, e uma jovem mortal. Não há diálogos, apenas a trilha sonora com uma música composta pelo mexicano Armando Dominguez, interpretada por Dora Luz (DESOWITZ, 2003).
O resultado rendeu muitos prêmios ao estúdio, além da indicação ao Oscar de Melhor Curta-Metragem. Infelizmente, no Brasil, nunca foi lançado oficialmente. O que gera desconhecimento desta obra entre os fãs nacionais das obras de Dalí e Disney.
Tendo como base as discussões levantadas por Arthur Danto em A Transfiguração do Lugar-Comum, por David Hume em O Padrão do Gosto, por Walter Benjamin em A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica, este trabalho se propõe em avaliar se Destino pode ser considerado uma obra de arte sendo um curta-metragem de animação.
Confira o curta-metragem na íntegra disponível no YouTube:
1.1. PERSONALIDADES DO SÉCULO XX
Três anos separam Walter Elias Disney de Salvador Domingo Felipe Jacinto Dalí i Domènech. O primeiro nasceu nos Estados Unidos, seguiu o caminho dos cartoons, em seguida viria a ser produtor de desenhos animados e, por fim, criador do parque de diversões que tinha como objetivo agradar a pessoas de todas as idades.
Já o espanhol, preferiu iniciar sua caminhada pelos campos da pintura surrealista, mesclando sua carreira com a criação de objetos artísticos e trabalhos no cinema.
Ambos foram memoráveis em seus campos de atuação, tanto que dificilmente uma conversa sobre animação termina sem Disney quanto uma sobre arte se conclui sem Dalí. Cada qual com suas características particulares conseguiram superar as adversidades impostas pelo tempo (ou pelo Destino, talvez) e serem conhecidos por pesquisadores e admiradores da arte como dois dos grandes nomes do século anterior.
Sabe-se que foram apresentados formalmente em 1945, durante uma festa. Em janeiro do ano seguinte, foi assinado um contrato com validade de dois meses para a produção de um curta-metragem, que posteriormente seria incluído em um novo filme seguindo a linha de Fantasia (1940). Durante esse período – sendo que, na verdade, seria ampliado em seis meses –, Dalí cumpriu suas obrigações com o estúdio, indo trabalhar diariamente em quadros que depois seriam adaptados para o filme. Sempre auxiliado pelos funcionários da Walt Disney Estúdios, John Hench e Cormack Bob (GABLER, 2009, p.473-474).

Eis que, 53 anos depois, o sobrinho de Walt, Roy E. Disney, resolveu retomar o projeto, convocando o estúdio francês da Disney e o estreante na cadeira de diretor – mas funcionário da empresa desde o começo dos anos 1990 – Dominique Monfery para ser o responsável pela produção. Quatro anos foram necessários para sua finalização, mas Destino enfim tinha encontrado seu Destino (PEGORARO, s/ ano).
1.2. MAS, AFINAL, O QUE É DESTINO?
Este foi o ponto de partida para a análise. Para uma primeira resposta rápida, foi consultado o dicionário. E o encontrado foi: “Encadeamento de fatos supostamente fatais; Fatalidade” (MICHAELIS, 2009).
Inicialmente, Destino era apenas o nome da música do mexicano Armando Dominguez que Walt pensara em criar uma história. Dalí conseguiu ligar a música à sua história, esta uma história de amor com encadeamento de fatos supostamente fatais, ainda que com um final supostamente feliz (talvez o real Destino de ambos). Neste ponto, o nome conseguiu ser corretamente encaixado com seu significado (PEGORARO, s/ ano).
Destino pode ser encarado como um encadeamento de visões surrealistas, fruto do forte envolvimento de Dalí. Ele já tinha dado mostras de como trabalhava no cinema em filmes como Um Cão Andaluz (1929) e Quando Fala o Coração (1945). Mas não se pode descartar que, por se tratar de um filme da Disney, há algo ali do tradicional e familiar ‘ar Disney’.
E antes que a pergunta seja feita, há sim um apelo sentimental na escolha do tema para o presente Trabalho de Conclusão de Curso. Mas a forma como chegou até aqui talvez só o Destino possa responder.
2. HISTÓRIA DE DESTINO
Por vários anos, Walt e sua esposa Lilian preferiram ficar longe de badalações, mesmo morando em Hollywood e sendo ele dono de um dos estúdios mais diferenciados na cidade, principalmente por até aquele momento trabalhar exclusivamente com animação.
Mas em uma das poucas festas que compareceu em 1945, Walt foi apresentado por Jack Warner – que junto com seus irmãos, Harry, Albert e Sam, foi responsável pela criação da Warner Bros. Studios em 1918 – à Salvador e Gala Dalí.
Deste encontrou nasceu um convite: elaborarem juntos um curta-metragem unindo animação e surrealismo (GABLER, 2009, p. 472-473).
2.1. A ARTE SURREALISTA DE DALÍ NO CINEMA
Esta não seria a primeira participação de Salvador Dalí no cinema. No começo de 1929, foi convidado por Luís Buñuel para criarem junto o filme Un Chien Andalou (no Brasil, Um Cão Andaluz). O processo de filmagem bastante rápido permitiu a Dalí participar de várias maneiras, até mesmo como ator – na cena em que pianos carregados de burros são arrastados até ficarem à vista, Dalí aparece vestido de padre jesuíta.
Segundo o pesquisador Eric Shanes, o filme desafia a análise racional em termos de trama e não existe nele qualquer simbolismo, mas foi sugerido que o ‘Cão Andaluz’ do título era García Lorca. A cena mais marcante é logo a de abertura, onde uma moça tem seu olho cortado por uma lâmina de barbear.

Seu segundo momento no cinema, também com Buñuel, se deu em 1930. L’Âge d’or (A Idade do Ouro), bancada pelo Visconde de Noailles, foi tida como ainda mais violento e subversivo. No filme, são reveladas imagens de morte, espancamento, fetichismo e, no final, um epílogo com um conto do Marquês de Sade. Mas Dalí sentiu-se traído por seu parceiro por Buñuel ter feito da obra um ataque ao clericalismo. Pouco depois da estreia, partidários da direita na França atacaram o cinema onde o filme passava e destruíram obras de arte expostas no salão de entrada, incluindo uma pintura de Dalí (SHANES, 1994, p.22).
Quando conheceu Disney, Dalí tinha acabado de voltar a participar da indústria cinematográfica, após quinze anos. O artista foi convidado em 1945, por Alfred Hitchcock – admirador de seu trabalho –, para participar da produção de Quando Fala o Coração. (SHANES, 1994, p.33) No filme, a Dra. Constance Petersen (vivida por Ingrid Bergman) trabalha como psicóloga em uma clínica para doentes mentais. O local está prestes a mudar de direção, com Dr. Edward (Gregory Peck) assumindo o local. Ao chegar o doutor surpreende os médicos locais pela sua jovialidade e também por seu estranho comportamento. Logo, Constance descobre que ele é na verdade um impostor, que perdeu a memória e não sabe quem é nem o que aconteceu com o verdadeiro Dr. Edwards.
Coube a Dalí ser o responsável pela concepção da cena em que o Dr. Edwards tem um delírio. Apesar de grande parte do trabalho do artista ter sido utilizado no filme, uma sequência de Ingrid Bergman se transformando em estátua da deusa romana Diana foi cortada. Uma das cenas elaboradas remete a Um Cão Andaluz: uma sequência de olhos pintados cortados por tesouras.
2.2. FANTASIA E O MUNDO DAS ARTES NA DISNEY

Em 1937, Walt encontrou-se com o maestro polonês Leopold Stokowski e o produtor apresentou-lhe um projeto que vinha idealizando: um curta do scherzo sinfônico de Paul Dukas L’aprenti Sorcier, ou The Sorcerer’s Apprentice (O Aprendiz de Feiticeiro), sobre um poderoso feiticeiro em cuja ausência um aluno curioso usa o chapéu e o cetro com resultados infelizes – mais tarde seria decidido que o Mickey faria o papel do aluno (GABLER, 2009, p. 355-357).





Apesar do bom recebimento do filme por parte da crítica, o filme, junto de Pinóquio (1940) e Bambi, não gerou resultados financeiros positivos ao estúdio.
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