Assim começa a maxi-série INUMANOS, uma das histórias que mudaria o status da editora Marvel Comics no fim do século XX e a faria voltar a ser tendência entre os quadrinhos de super-herói nos Estados Unidos.
A temática escolhida por Paul Jenkins e Jae Lee foi o preconceito das pessoas comuns (nós!) contra um ser diferente. Uma metáfora que pode ser entendida também como uma crítica a nossa sociedade.
Curiosamente, estes seres também vivem em um sistema semelhante ao de castas na Índia e que vez ou outra lhes traz problemas. São estes dois pontos a que a presente Observação se propõe a tratar.
POR QUE ODIAMOS OS DIFERENTES?
O preconceito – seja racial, social ou sexual – praticamente sempre esteve inserido na nossa sociedade. Guerras foram erguidas diante da intolerância quanto a raças, fogueiras foram acessas contra o desconhecido e pessoas foram esquecidas por conta de sua situação financeira.
Selo Marvel Knights, editado por Joe Quesada, revitalizou os heróis de segundo escalão da editora |
Os humanos já sabiam dos Inumanos, embora a série não deixe claro há quanto tempo sabem ou mesmo há quanto tempo estão lá. Nos quadrinhos, estes seres existem desde 1964 (criados por Stan Lee e Jack Kirby) e participavam principalmente das histórias do Quarteto Fantástico. Mas vale lembrar que o selo Marvel Knights foi desenvolvido em 1998 pela editora norte-americana para atualizar/modernizar personagens que estavam perdendo peso, mas ainda possuíam relevância, tais como Demolidor, Justiceiro, Viúva Negra, Pantera Negra e... Inumanos!
Logo, temos que pensar que, apesar de existir há pouco mais de trinta anos na época em que tal HQ foi produzida, o passado precisa ser desconsiderado.
Na presente série, Reed Richards – líder do Quarteto Fantástico – foi um dos poucos que tiveram o prazer de estar em Attilan, mas isso não faz dele um aliado. O pouco que os humanos sabem é que se trata de um povo em que cada indivíduo único, uma subespécie em si.
Ao longo das edições vemos discussões em programas de televisão com posições preconceituosas e contrárias a sua existência isolada, muito por conta da ausência de informações confiáveis sobre eles.
Mas é importante mostrar que tal pensamento não é unânime. A opinião de pessoas comuns variam do “eles nem existem. Todo mundo sabe...” até “ah, eles devem ser como a gente”.
Quando começa a guerra entre mercenários portugueses (financiados por uma mineradora interessada em metais e minérios da emergida Atlântida, onde está a cidade dos misteriosos seres, e por mafiosos russos), nenhum país ousa interferir, mesmo quando os Inumanos apelam para a diplomacia.
“Está alegando que vocês nos apoiam, mas não vão ajudar? Nós só queremos que sua gente se retire. Jamais desejamos contato com humanos... por isso, vivemos isolados” – diz o emissário inumano aos diplomatas norte-americanos, um dos poucos a manifestar apoio, embora contraditório.
Quando os Inumanos são destruídos junto a Atlântida – ou pelo menos fingem ser – todos os países falsamente hasteiam suas bandeiras a meio mastro para expressar seu pesar pela extinção de um povo e só neste momento o secretário-geral da ONU condena oficialmente os ataques à região.
UMA SOCIEDADE DIVIDIDA
Os Inumanos também não são uma raça perfeita. A saga nos mostra uma sociedade bastante dividida em torno da posição em que cada um exerce dentro da cidade. Assim como nós!
Raio Negro, o rei, e sua família estão acima de tudo e todos, exercendo cargos de liderança baseados na defesa e na manutenção local. Abaixo deles está a guarda real, que agrupa todos os seres que adquirem os melhores poderes durante o ritual da Terrigênese. Em seguida, o restante da população, com empregos comuns. E, por fim, os Alfa-Primitivos, responsáveis por manter a subestrutura, que engloba a usina de energia da cidade.
O problema não reside na família real, considerados bondosos e corretos ante a sociedade. E sim entre as três classes abaixo.
Tal fato pode ser melhor identificado após o ritual da Terrigênese, a qual um grupo de jovens é submetido na passagem da adolescência para a fase adulta. Dois pontos importantes:
Tonaja após o ritual da Terrigênese |
1º) Tonaja, que se tornara a primeira voadora em trinta anos, desmerece sua melhor amiga que apenas teve seus dedos da mão aumentados.
“Ton... será que a gente ainda vai poder se ver? – pergunta Kalikya chorando.
Acho que não... – responde Tonaja indo embora”.
Mais tarde, quando a guerra está em andamento, se descobre que os dedos compridos de Kalikya tem o dom da cura e ela utiliza para salvar um jovem de quem Tonaja gostava. Quando questionada pela ex-amiga se poderiam voltar a se ver, Kalikya devolve com as mesmas palavras.
Woz transformado em Alpa- Primitivo |
CONSIDERAÇOES FINAIS
A incrível trama de Inumanos gira em torno dos pensamentos que possivelmente – mas não necessariamente – rondam a cabeça do líder Raio Negro. Vale lembrar que, por conta sua voz provocar devastadoras descargas sônicas, ele é obrigado a nunca falar.
A seriedade no olhar de Raio Negro, líder dos Inumanos |
Vale considerar que seu isolamento de nós se vale por dois motivos: nosso ar é extremamente prejudicial a sua saúde e a inabalável decisão de Raio Negro.
O rei mantém posição firme quanto ao isolacionismo, decisão que também é bem recebida entre seus súditos. Mas é incrível a intolerância dos demais moradores da Terra quanto a isso. Um povo não pode, por vontade própria, viver sozinho sem ser questionado?
Já quanto à divisão social em Attilan, algumas questões precisam ser levantadas. Os Alfa-Primitivos foram manufaturados por um cientista já morto, moldadas como criaturas assexuadas e sem pais, idênticas em seu isolamento social. Foram criados para o trabalho na máquina e mesmo quando conquistaram sua liberdade não houve nada que Raio Negro pudesse fazer se não deixá-los trabalhar na subestrutura. Parece ser uma desculpa para relegá-los ao trabalho mais duro em Attilan, mas assim o é.
As quatro edições da Mythos Editora compilando toda a saga no Brasil |
Importante mostrar isso como um cenário social local. Assim é preciso entender que os Alfas-Primitivos precisam daquilo para viver, foram gerados para tal e não saberiam fazer outra coisa – não que algo tenha lhes sido proposto para mudar também.
A família real dos Inumanos: Karnak, Raio Negro, Medusa, Crystal, Gorgon e Triton |
INUMANOS
Título original: Inhumans
Roteiro: Paul Jenkins
Desenho: Jae Lee
Cores: Dave Kemp e Avalon Studios
Editora: Mythos
Ano de lançamento: 2001
(no Brasil, lançado em formato de minissérie em quatro edições)
Nenhum comentário:
Postar um comentário