Existe uma relação maternal natural na vida de um ser vivo. Costuma-se dizer que a mãe, por ser o papel central na geração de filhos, constrói instintivamente uma afinidade especial com o bebê.
O pai não vem com este atributo. A relação com o filho precisa ser construída e muitos acreditam até que ela não faz muita diferença na criação, sua presença ou não pouco acrescentará àquele pequeno ser.
Cyril Pedrosa – e eu também – não pensa assim. Em sua brilhante história em quadrinhos, TRÊS SOMBRAS, nos apresenta um drama baseado na ternura e no amor de um pai por um filho. Uma trama com final triste, já lhe adianto, mas que deixa marcas fortes, principalmente em quem é pai.
Acompanhe conosco nesta Observação os elementos que compõe esta obra.
A VIDA TRANQUILA ATÉ O PERIGO IMINENTE
Joachim é uma criança normal que mora com os pais – Louis e Lise – em um local distante do resto do mundo. Vivem uma vida feliz, brincam, nadam, fazem piquenique.
“Era assim que vivíamos, no meio das colinas, protegidos das tempestades, ignorando o mundo como uma ilha e depois...e depois tudo mudou”.
Certa noite, Joachim se assusta ao ver três sombras paradas em uma colina próxima a sua casa. Eles parecem observar os residentes. Louis não acha que é nada (“Viajantes passam pela colina enquanto nós estamos dentro de casa, protegidos e no quente”). Mas dia após dia elas continuam lá, e mesmo que os habitantes locais tentem contato, as sombras rapidamente se distanciam para depois retornar mudando totalmente a aura perfeita em que viviam.
Preocupada, Lise corre até a cidade atrás de uma velha senhora Suzette Pique, que rapidamente entende o motivo pelo qual estão sendo perseguidos: as sombras vieram levar Joachim.
Ao voltar e contar para Louis, ele entende ser este o motivo, mas não se mostra disposto a entregar o garoto. Aí temos o melhor diálogo de toda a história, embora seja praticamente um monólogo:
“Lise: Eu não vou impedir você de partir, mas não sei se poderei perdoá-lo. Joachim vai nos deixar, eu sei disso, e estou pronta. Você não.
Louis: Lise...
Lise: Me deixa terminar! Não há dúvida de que resta pouco tempo antes de as sombras o levarem. Esses últimos momentos com meu filho, esse tempo... eu dou a você. Para que vocês possam se separar com o coração tranquilo. Eu vou perder um filho...eu espero que a gente também não perca um ao outro”.
LIDANDO COM SENTIMENTOS E COM A VERDADE
O que vem a seguir é a tentativa do pai de evitar a perda do filho tentando ganhar tempo em relação às sombras. Mas uma coisa é muito importante:
“Eu poderia, é claro, ter mentido... mas não o fiz. Joachim me escutou com atenção. Sem dúvida ele entendeu o que estava em jogo em nossa viagem. No entanto, voltamos à estrada nos sentindo mais leves. O medo havia ido embora... após um dia inteiro de caminhada, eu entendi o porquê. Talvez isso não durasse, mas as sombras não nos seguiam mais...”
Os dois agora viajantes se depararão com lugares inóspitos povoados por seres trapaceiros e imorais. A trama parece lembrar a todo momento que aquele belo momento de suas vidas, antes de tudo isso começar, não mais voltará. E a medida que caminha para o fim, o pavor, o medo começa a nos sugar e nos fazer refletir.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até onde você iria para salvar seu filho?
O autor Cyril Pedrosa |
Não falarei do final, embora seja totalmente previsível, mas, como pai, senti uma tristeza tremenda quando fechei a última página. Foi difícil falar, precisei ficar sozinho e pensar na história.
Até onde eu iria para salvar os meus filhos?
Não sei. Mas gosto muito de pensar que faria o mesmo que Louis.
TRÊS SOMBRAS
Título original: Trois ombres
Roteiro e arte: Cyril Pedrosa
Editora: Quadrinhos na Cia. / Companhia das Letras
Ano de lançamento: 2011
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