A noiva do tigre | Uma história sobre histórias

“Estamos em guerra. A história dessa guerra, datas, nomes, quem começou, pertence a todos. Não apenas às pessoas envolvidas nela, mas às que escrevem os jornais, políticos a milhares de quilômetros, gente que nunca esteve aqui ou ouviu isso antes. Mas algo assim? Isto é nosso. Pertence a você. E a mim. Apenas a nós” (pág. 53).

A NOIVA DO TIGRE, de Téa Obreht, é afinal uma história sobre momentos únicos, daqueles períodos que quando nos contam parecem inverossímeis. E quando é conosco talvez seja mais válido reservar apenas para nós, afinal ninguém acreditaria verdadeiramente em nossa palavra.

Mas espera... talvez esteja me precipitando demais com esta Observação. Para que possa entendê-la melhor será mais preferível que eu volte ao começo e explique melhor a importância das histórias para este livro. Vamos lá?

A MÉDICA E O AVÔ

Natalia é uma jovem médica que parte com sua amiga Zóra em uma missão para ajudar crianças órfãs em um mosteiro de um vilarejo afastado. A história é contada em um período qualquer da Iugoslávia (mas muito provavelmente após suas frequentes guerras e desmembramento. Falaremos disso daqui a pouco).

No caminho, Natalia é informada da morte de seu avô.

Contra a vontade de sua família, entretanto, decide seguir em frente. No vilarejo afastado se depara com uma série de acontecimentos estranhos: nas vinhas da fazenda onde é deixada, um grupo de ciganos procura um corpo de um parente que supostamente não os deixaria em paz – levando-lhes doenças – até que fosse decentemente enterrado; além do mistério que envolve o fato de seu avô ter falecido em uma cidade vizinha onde se encontra.

Isso levará dois dias de sua vida. O grande foco da autora Téa Obreht está, na verdade, nas histórias. Contos, lendas e, mais do que isso, em mostrar que esses contos e lendas podem surgir mais rápido do que se imagina.

Durante aqueles momentos em que passará lá, Natalia se pega perdida em lembranças, de sua vivência com seu avô e das histórias que ele contava. Mas também conheceremos um pouco da verdade sobre alguns fatos quando ela avança no tempo e nos conta o que descobriu anos depois.

O HOMEM SEM MORTE E O TIGRE

A construção do livro mostra como um mesmo acontecimento pode ganhar dimensões diferentes quando contado por mais de uma pessoa. Afinal, boatos/fofocas vão mais velozes do que imaginamos, ainda mais em um vilarejo onde todos se conhecem. Criando assim contos, lendas e mitos sem precisar voltar muito no tempo.

Da parte de Natalia, tem foco especial duas histórias contadas por seu avô, relembradas por ela enquanto ainda tenta aceitar sua morte.

No final, as duas – e mais outras que a garota narra – se entrelaçarão de maneira brilhante e um final que mudará a forma da jovem médica ver sua vida com seu avô.

A GUERRA E A DIVISÃO DE UM PAÍS

Da Iugoslávia hoje mais nada sobrou.

Mapa da antiga Iugoslávia

“A guerra tinha alterado tudo. Uma vez separadas, as peças que formavam nosso velho país não carregavam mais as características que representavam as antigas partes respectivas do todo. Coisas previamente repartidas – cenários, escritores, histórias – tinha de ser distribuídas de acordo com seus novos donos. O Prêmio Nobel não era mais nosso, mas deles; tiramos o nome do nosso aeroporto de seu inventor louco, que não era mais uma figura popular. E o tempo todo dizíamos a nós mesmos que tudo acabaria voltando ao normal” (pág. 139).

Por não datar e nem especificar exatamente o local, Téa não se prende demais, mas toda a sua história envolve esse contexto histórico, com guerras acontecendo a todo o momento.

A Iugoslávia (ou Jugoslávia), para quem não sabe, teve origem no declínio do Império Otomano (1299 – 1922). A falta da estabilidade administrativa e sucessivas guerrilhas levaram a sua dissolução com o passar dos anos. Em 1929, os povos sérvios, croatas e eslovenos, que fizeram parte do Império, se uniram para dar origem ao Reino da Jugoslávia, que existiu até 1941 quando foi invadido pelas potências do Eixo.

A autora Téa Obreht

Com o fim da Segunda Guerra Mundial foi instituído um estado comunista dando origem a República Popular Federal da Jugoslávia. Os povoados que formavam o país, por volta de 1990, começaram a demonstrar o desejo de maior autonomia, fim do partido único e instalação de uma democracia. Seguiu-se a desintegração local, e seguidamente – com ou sem conflitos – conseguiram a independência em 1991: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina e Macedônia. Em 2006, Sérvia e Montenegro se separaram formando países únicos e dando fim a Iugoslávia. Dois anos depois foi a vez de Kosovo também se desmembrar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por envolver histórias de Natalia, de seu avô e da região, é possível voltar ao que apontamos no início e dizer que A Noiva do Tigre é sobre histórias e, principalmente, daquelas em que dificilmente se acredita caso não se tenha esse momento único de ler o livro.

“Meu avô me alertou: - Você tem de pensar cuidadosamente sobre onde contar isso e para quem. Quem merece ouvir? Sua avó? Zóra? Certamente não aquele palhaço com quem você se encontra nas docas” (pág. 53).

A NOIVA DO TIGRE
Autora: Téa Obreht
Editora: LeYa
Número de páginas: 280
Ano de lançamento: 2011