Fábulas | A morte dos bons


Capa da 12ª edição da história em quadrinhos Fábulas
FÁBULAS não é uma série qualquer. Lançada em 2002 nos Estados Unidos – e ainda em publicação –, acompanha a vida daqueles seres que sempre permearam nossos sonhos, graças aos contos de fadas, folclore, cantigas e narrativas antigas.

Aqui, um mal comum, o temível Adversário, obrigou-os a fugir das Terras Natais e abrigarem-se em nosso mundo, criando a Cidade das Fábulas em meio a Nova Amsterdã, que anos depois mudaria de nome para Nova York. As criaturas místicas que não tinham aparência humana ficaram escondidas no interior, no lugar conhecido como A Fazenda.

A seguinte Observação se dará em torno do 12º encadernado da série, A ERA DAS TREVAS, e comentará – com vários spoilers, portanto, se não leu a HQ ainda mantenha-se longe – um importante acontecimento desta edição.

A VIDA PÓS-GUERRA

O Adversário – ou Gepeto, conforme revelado no 6º encadernado (Terras Natais) – finalmente foi derrotado no arco anterior (Guerra!) após anos de frustradas tentativas. As fábulas, ainda que anseiem o retorno o mais rápido possível para suas antigas terras, terão de esperar, pois, apesar do grande vilão ter sido destronado, seus seguidores ainda lá habitam e muito mistério agora permeia aquele mundo.

A presente edição foca nas consequências pós-guerra dos moradores da Cidade das Fábulas. Talvez a principal delas seja o funeral daquele que, contrariando o que muitos esperavam, foi o grande herói nas batalhas contra o Adversário: o Príncipe Encantado. O cortejo não pôde contar com o corpo, destruído em seu sacrifício final para destruir o último dos portais.
Personagem Princípe Encantado, da história em quadrinhos Fábulas
O falecido Príncipe Encantado

Enquanto isso, nas Terras Natais um novo mal surge de um baú a muito esquecido, encontrado por dois saqueadores. Eis que surge um ser que apenas se autodenomina Senhor Escuro. As consequências são imediatas em Nova York, tanto o escritório da administração (local onde “todos os livros e registros vitais estão guardados”, como nos diz a vice-prefeita Bela) quanto o apartamento do falecido Barba Azul (local onde guardam os tesouros) desaparecem. A explicação é que ambos os lugares nunca estiveram lá de fato, e sim ligados ao bosque por fortes encantos. Mas tudo se foi agora, estão perdidos.

O mau imediatamente gerado é tanto que até mesmo Frau Totenkinder, líder dos bruxos do 13º andar, que se orgulha de não sentir medo de nada, agora aparenta temer:

“Como a maioria das pessoas, criança, suponho que tenho medo do que não consigo entender ou compreender. E existe pouquíssimo que não compreendo. Mas essa coisa... é uma escuridão pra mim. Consigo pressentir certos aspectos dela, mas somente de uma forma vaga e indefinida. Eu sinto seu poder, e sei que deseja nos fazer mal”, explica à Branca de Neve.

A Cidade das Fábulas desaba em seguida, obrigando seus moradores a refugiar-se na Fazenda. Mas eles não esperavam um novo baque tão forte quanto, ela vem com a morte de um de seus mais queridos amigos.

O HORIZONTE AZUL

Cena do Garoto Azul, na história em quadrinhos Fábulas
O Garoto Azul em sua roupa
de guerra
Existem duas versões para a antiga rima da cultura popular dos países de língua inglesa Little Boy Blue. Abaixo opto por usá-las traduzidas (realizada pelo blog A Livreira):

Garoto Azul tem pressa,                           Garoto Azul tem presa,
Vem tocar tua corneta,                             Vem soprar o teu chifre,
Há ovelhas no pasto,                                Há ovelhas no pasto,
Vacas no milharal;                                   Vacas no milharal;
Onde está aquele menino                         Mas onde está o menino
Que cuida das ovelhas?                           Que cuida das ovelhas?
Sob o palheiro                                         Ele está sob um monte de feno,
Dormindo.                                               Dormindo.
Você vai acordá-lo?                                  Você vai acordá-lo?
Oh, não, eu não,                                      Não, eu não,
Porque, se eu o faço                                Porque, se eu o faço,
Ele certamente irá chorar.                         Ele tem certeza de chorar.

Em Fábulas, o Garoto Azul sempre foi um personagem altamente importante, alternando sagas em que era mais ou menos aproveitado. Era mostrado como um bravo guerreiro quando necessário, mas amante do sossego, preferindo o trabalho no escritório ou as conversas com os amigos à guerras.

Garoto Azul, de Fábulas, definha enquanto rejeita Rosa Vermelha
Garoto Azul definhando por conta
do encantamento
Foi ele, entretanto, quem descobriu a verdadeira identidade do Adversário, quando tentava salvar Chapeuzinho Vermelho, por quem se apaixonara muitos anos atrás (ver especial O Último Castelo). Mas não era a mesma que conheceu, uma vez que Gepeto usou diversas réplicas da personagem para conquistar seus objetivos.

Como castigo por invadir secretamente o terreno do Adversário – ainda que a mando do Príncipe Encantado, então prefeito da Cidade das Fábulas, embora disso nunca soubesse – foi exilado na Fazenda, onde conheceu Rosa Vermelha, irmã da Branca de Neve e responsável pelo local. E se apaixonou novamente.

Antes do início da guerra tentou se declarar, mas levou um fora. Lá, Azul foi responsável de levar os armamentos e guerreiros para o campo de batalha usando a capa mágica e a espada vorpal. Ainda que tenha tido sucesso em sua tarefa acabou ferido com uma flecha enfeitiçada no braço, que ficou presa junto a capa.

Nos eventos mostrados em A Era das Trevas, por culpa de um fio da capa que entrou no seu músculo, ele começa a definhar. Tudo porque a capa foi feita de parte do ‘Eu essencial’ do Senhor Escuro e agora ele estava de volta sugando-a de volta. No fim, ele morre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pintura O garoto azul, de Ella Dolbear Lee (1918)
Diferente da literatura, o
personagem recebeu
diversas interpretações
na pintura e ilustração,
como a versão de
Ella Dolbear Lee (1918)
O Garoto Azul provavelmente não deve ser o personagem favorito de Fábulas de muitas pessoas. Talvez um dos, mas não aquele que você mais gosta. Particularmente, gosto bastante do Bigby Lobo. Mas talvez porque – assim como Papa-Moscas, Pinóquio, Rosa Vermelha e Frau Totenkinder – sempre esteve aqui ou ali de maneira importante em uma trama importante que sua morte seja a mais sentida até aqui nesta interessante história.

Pintura O garoto azul, de Florance Choate (1919)
Florance Choate (1919)
E não que nenhum personagem principal não tivesse morrido anteriormente. Se é leitor da saga certamente acompanhou a queda dos três porquinhos, Barba Azul, Shere Khan e Príncipe Encantado, para ficar nos mais relevantes. Talvez o último citado tenha tido tanta importância quanto, mas o saudoso ex-prefeito era um canalha, canastrão, traiu suas três ex-mulheres e, mesmo tendo sido um herói em seu último momento, mais nos fazia gostar de odiá-lo do que qualquer outra coisa. E creio que ele adorava isso!

Azul, não. Era um herói e quase nunca colheu os louros da vitória, nunca conseguiu ser amado, e tínhamos orgulho das suas ações. Entre seus concidadãos, sempre foi muito querido e deixou um legado importante, principalmente para os animais da Fazenda.

Pintura O garoto azul, por William Wallace Denslow
William Wallace Denslow
(1901)
“Estive pensando um pouco e tive uma epifania. Não, está mais para uma visão! Os importantes voltam. (...) Quando as coisas parecerem mais sombrias, o Garoto Azul vai voltar, resplandecendo com uma luz azul! Vai estar segurando uma grande espada, com a qual vai cortar a cabeça desse novo adversário e de qualquer outro que nos incomodar! Aí, nós vamos viver com ele num império perfeitamente restaurado nas Terras Natais, mas num império governado com paz e benevolência pelo Azul”.

A frase acima, dita pelo Pequeno Texugo em discurso aos demais animais da Fazenda, é dúbia dependendo se a levamos a sério enquanto quadrinhos ou enquanto Fábulas. Afinal, no mundo das HQs – principalmente entre os super-heróis – tradicionalmente personagens muito importantes costumam voltar.

Em Fábulas ocorre algo diferente. A volta do personagem – sim, já ocorreu – depende da força que aquela fábula tem com seus leitores. Diferente de muitos que aparecem constantemente na saga, o Azul não tem esse peso cultural, afinal a rima Little Boy Blue (cuja versão impressa mais antiga date de 1744) e alguns contos (que incluem versões de L. Frank Baum, de O Mágico de Oz, e de Cecília Meireles, escritora brasileira) compõe a escassa produção sobre ele.

Blue is coming back, frase em manta a venda na internet fazendo alusão ao personagem Garoto Azul de Fábulas
Talvez ainda haja esperança ("Azul está voltando!" em
inglês na manta a venda na internet com autógrafo de
Bill Willingham)
É triste e nos faz pensar que o que o Pinóquio diz à Papa-Moscas talvez seja verdade: “E será que alguém pode, por favor, me explicar como isso faz sentido? Azul era um super-herói! Audacioso gigantesco! Como um mundo inteiro de supostos escritores ignorou tudo isso?”. Mas, sinceramente, espero que um dia ele volte, afinal vai fazer muita falta!

FÁBULAS
A ERA DAS TREVAS (12º encadernado da saga)
Título original: Fables – The Dark Ages
Roteiro: Bill Willingham
Desenho: Mark Buckingham, Peter Gross, Andrew Pepoy, Michael Allred e David Hahn
Arte-final:
Cores:
Editora: Panini Comics
Ano de lançamento: 2012
Quantidade de páginas: 180

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