El Loco Chávez | Amigos e Diálogos


Capa da história em quadrinhos do personagem El Loco Chávez
Histórias focadas na convivência de um pequeno grupo de pessoas existem aos montes. Esta parece ser a base de muitos livros, quadrinhos, desenhos e séries de TV, e talvez até mesmo da sociedade em geral. Mas quando se fala de qualidade do conteúdo, profundidade e inteligência nos diálogos, mesmo nos mais banais, o funil começa a fazer seu papel e muito pouco sobra.

EL LOCO CHÁVEZ, HQ argentina produzida entre 1975 e 1987, tinha como pano de fundo o jornalismo. Entretanto, em muitas ocasiões – principalmente, após o retorno do personagem ao seu amado país –, era sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo. Bastava uma antiga ou uma nova amizade surgir nos quadros que o show caía das mãos do roteirista Carlos Trillo para a boca do protagonista e de seus colegas. Isso sem mencionar a arte primorosa – principalmente das mulheres – de Horacio Altuna.

Esta Observação é uma oportunidade para que você conheça esta inteligente HQ e um personagem que de louco só tinha o nome.

O QUE O PAÍS VIZINHO TEM DE MELHOR

Foto de Carlos Trillo, criador do personagem El Loco Chávez, entre outros.
Os autores de El Loco Chávez: Carlos
Trillo e...
Houve uma época em que a Argentina possuiu um forte polo de produção de quadrinhos. Nomes fortes como o dos artistas Héctor Gérman Oesterheld, Carlos Trillo, Hugo Pratt, Fontanarrosa, Alberto Breccia, Horácio Altuna, Solano López, Enrique Breccia, Quino, Domingo Roberto Mandrafina, Jordi Bernet, Juan Giménez, Ernesto García Seijas, Robin Wood e muitos outros abrilhantavam páginas e páginas de obras que marcaram o cenário mundial das HQs. Obras como Mafalda, El Eternauta, Nippur de Lagash, Inodoro Pereyra, Mort Cinder, Sargento Kirk, Ernie Pike, Sherlock Time, Boogie, o Escamoso.

Um bom retrato deste cenário foi feito pelo jornalista Paulo Ramos em seu ensaio sobre as HQs do país vizinho: Bienvenidos - Um passeio pelos quadrinhos argentinos.

Foto de Horacio Altuna, criador do personagem El Loco Chávez, entre outros
Horacio Altuna
Assim como muitos personagens da Era de Ouro dos quadrinhos estadunidenses, muitos deles tiveram seu início nos jornais no formato de tiras. El Loco Chávez foi um deles.

PONTOS ALTOS DE UMA GRANDE HISTÓRIA

"É um jornalista inteligente, sensível e com um amplo espectro entre suas especializações. Certeza que fará um bom trabalho".

Diferente de seus pares argentinos, esta HQ seguia a linha mais séria e não a cômica. Por conta disso, somos beneficiados por acompanhar a evolução, tanto na carreira quanto na vida social, deste jornalista mulherengo.

Página das tiras em quadrinhos do personagem El Loco Chávez
Loco regressa a Buenos Aires
Hugo Chávez era seu nome - favor não confundir com o presidente venezuelano homônimo -, embora mais conhecido entre seus amigos pelo apelido de 'Loco', e em sua primeira fase trabalhava como repórter correspondente internacional de seu jornal. "Retornou em 1976, ano em que muitos argentinos, ao contrário, procuravam outros países para escapar do autoritarismo dos militares", informa Ramos.

No segundo momento, trabalhando em um jornal de Buenos Aires, sua profissão foi sendo deixada um pouco de lado. Não que as matérias não fossem o foco mais da publicação, mas os diálogos entre os personagens passaram se destacar. O elenco de apoio não deixava barato e muitas vezes levava sua conversa para uma mesa de bar, gerando ainda boas conversas e altas risadas. O grupo de amigos de Chávez era composto por Balderi, chefe da redação onde trabalhava Loco, Juan, colunista de política do mesmo jornal, Malone, redator publicitário e fanático por psicanálise, e Homero, um velho frequentador do bar sempre bem vestido. Os cinco debatiam sobre tudo (política, psicanálise, mulheres, vida pessoal deles mesmos) e brincavam muitas vezes entre si.
El Loco Chávez e o grande amor de sua vida, Pampita
Pampita e Loco

Loco se envolvia com muitas garotas, e sua história com duas delas acabou ganhando álbuns especiais na Argentina: Gato e Pampita. A segunda foi seu grande amor e com quem ficou ao final de suas tiras em 1987, quando Loco foi convidado por uma agência de notícias para trabalhar na Espanha.

Neste momento os autores mostram o personagem procurando todos os seus amigos para se despedir. O ritual foi inspirado em Altuna, que em 1982 mudou-se para a Europa.

El Loco Chávez era cheio de tiradas fantásticas, que nos levavam das tramas sérias às cômicas em uma troca rápida de páginas. Algumas gags eram simplesmente geniais, como quando ele chama a atenção de uma garota e após ela se virar e perguntar o que era, Loco apenas responde: "Desculpe, queria ver se era tão charmosa de ida como de volta". Não muito depois conhecemos a história de uma atriz mais velha passando por uma crise por ser ultrapassada por 'talentos' da nova geração, com corpo e face muito mais joviais.

Outro caso muito interessante é o de um professor e advogado que resolve após longos anos de seriedade finalmente ser ele mesmo, indo contra tudo e todos. O final, em uma história onde o jornalista é meramente um expectador e confidente do senhor, é surpreendente, com o velho tendo que acatar o que lhe impõem.

Além disso, a história permitiu um certo experimentalismo por parte dos autores, como o uso de um replay (sim, você ouviu direito. A palavra até aparece escrita na página e a piada é excelente!), uma página muda, onde Balderi tenta a todo custo esconder a nova bela funcionária do jornal e a cena onde toda a paisagem some para Loco e Pampita quando eles se reencontram (artifício bastante usado em filmes e séries, mas raro nos quadrinhos).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tira em quadrinhos do personagem El Loco Chávez
Chávez e seus amigos
“A memória luta contra o tempo. É um cabo de guerra constante. Um dia, em outra terra, vais notar que os sons, os cheiros, as vozes que por toda vida te acompanharam não estão mais contigo. Só a memória pode recuperá-los. Então, vais tentar te concentrar, fazer força para lembrar de algo… da cor das paredes, de um sabor, de um nome de um alguém… e vais te dar conta que é tudo fugaz, que o tempo venceu a memória, que os perdeste. Aí, peço que lembre de teus amigos. Pois são eles que serão ao mesmo tempo inesquecíveis e guardiões daquilo que procuras, procuras, procuras e não consegues recuperar” (tradução feita por Érico Assis para o blog da Companhia das Letras).

A frase acima é de Homero em sua emocionante despedida de Loco e Pampita, quando estes partem para a Espanha.

El Loco Chávez era uma história de histórias, uma colcha de retalhos como poucas, onde o que prendia tudo era um grupo de amigos que ao final do dia se reunia para bater papo na mesa do bar. Um grupo de amigos que poderia ser muito bem o seu ou o meu. E é por isso que a frase de Homero nos leva tanto a refletir, afinal quantas vezes não nos despedimos de pessoas que consideramos amigos?
Última tira em quadrinhos do personagem El Loco Chávez, em que seus amigos debatem no bar sua ida para Europa com Pampita
E como não poderia deixar de ser, a última cena retrata os amigos de Loco em uma mesa de bar conversando

EL LOCO CHÁVEZ
Roteiro: Carlos Trillo
Desenho: Horacio Altuna
Editora: Diário Clarín (3ª HQ da coleção Biblioteca Clarín de la Historieta
Ano de lançamento: 2004

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