Mundo Fantasma | Qual é o meu estilo, então?


Enid Coleslaw acredita que seu namorado perfeito não existe, ela também  não gosta das garotas que estampam as capas de revistas de moda e jura ter visto um casal de satanistas em uma lanchonete. Enid acabou de sair do colégio e passa seus dias com a amiga Rebecca Doppelmeyer. Elas vivem numa pequena cidade americana e ainda não sabem o que fazer de suas vidas.

MUNDO FANTASMA é uma revista em quadrinhos escrita por Daniel Clowes, publicada em volume único, em 1997. Divida em 8 capítulos, narra o dia a dia de duas adolescentes que possuem uma atitude cínica e, aparentemente, desinteressada perante o mundo.

A seguinte OBSERVAÇÃO tem por objetivo abordar os aspectos que fazem da obra uma leitura interessante não só sobre a adolescência de hoje, mas também sobre a busca de cada pessoa por uma identidade própria.

PEDÓFILOS, SATANISTAS, SERIAL KILLERS E ANOS 60!

Daniel Clowes começou a publicar séries de histórias curtas na revista Eightball, em 1989. Uma delas - e a mais conhecida - era Mundo Fantasma. Sem um roteiro central, a obra é uma imersão no universo de duas garotas (com foco em Enid) que começam a lidar com a fase adulta da vida.

Recém-formadas no ensino médio, as adolescentes passam seu tempo tentando arranjar alguma coisa interessante para fazer: Enid vai a uma lanchonete e é apresentada a um ex-padre pedófilo. No mesmo local ela desconfia que um casal pratique satanismo. Num dia entra em um sex shop com Josh (amigo dela e de Rebecca), no outro, marca um encontro, só para se divertir, com um homem que elas encontraram na seção de anúncios pessoais do jornal, e por aí vai. O próprio autor dá as caras no quadrinho como um velho pervertido! (Embora ele mesmo se desminta ao final, no perfil do autor).

A cultura pop dos anos 60 é bastante presente. Músicas de Righteous Brothers e Frank Valli and Four Seasons aparecem, assim como algumas referências a seriados  da década de 60 e 70, como Os Jeffersons. Alías, Enid conta que perdeu sua virgindade assistindo a um episódio dessa série.

Na televisão de o Mundo Fantasma, passam programas humorísticos ou notícias sobre serial killers. As garotas apenas ignoram ou dão risada. Um dos mistérios da história são as pichações com a frase ‘Ghost World’. Espalhadas em vários cantos da cidade e que aparece até no álbum de fotos de Enid quando era criança.

GERAÇÃO Y E BUSCA POR IDENTIDADE

Se nos primeiros capítulos o sarcasmo e a ironia predominam, mais adiante, a transição para a vida adulta  e as dúvidas sobre o futuro permeiam  Mundo Fantasma. Enid carrega consigo alguma das características da Geração Y - termo sociológico dado para as pessoas nascidas entre de 1980 e 2000 - como, por exemplo, a falta de interesse por política. Em certo ponto, ao ler uma revista, diz “Ah Deus, eu odeio essa gente! Pessoas supersérias, falando de política o tempo todo, me dão arrepios. Parecem o meu pai. Meu, quem se importa com isso, porra?”

A imagem segura e cínica da garota esconde uma personalidade em conflito. Ela sempre aparece com um visual diferente em cada capítulo, como uma tentativa de encontrar sua própria identidade e seu papel no futuro. Rebecca, ao contrário, é sempre mais serena e madura.

Outro traço da Geração Y em Enid é a ‘Síndrome de Peter Pan’ - na psicologia, o termo é usado em casos onde a pessoa possui comportamento infantil, com atitudes imaturas para sua idade, recusando-se a entrar no mundo dos adultos.  Isso é evidenciado na cena em que Enid volta para o lugar onde estava vendendo suas coisas para pegar de volta o ‘Gus Bobo’ (seu boneco de infância) ou quando, desesperada, procura pelo disco que ouvia quando era menor.

Mesmo assim, ela luta para mudar. Se passar na faculdade, quer morar sozinha, sem Rebecca, pois a amiga lembra tudo o que ela quer esquecer sobre si mesma. O fim melancólico mostra uma Enid frustrada, vendo sua amiga se tornar ‘uma mulher linda’, enquanto ela ainda luta com os fantasmas da juventude e da insegurança.

OBSERVAÇÕES FINAIS

O ponto forte em o Mundo Fantasma é o seu realismo. A passagem da adolescência para a vida adulta é retratada sem exagero, com suas decepções e lutas internas. Em um universo (o dos quadrinhos) recheado de heróis e histórias fantasiosas, Clowes, praticamente sem roteiro, conseguiu extrair de um tema comum - adolescentes entediadas - um assunto que preocupa a todos: amadurecimento. Os traços esverdeados do autor ajudam no sentimento de monotonia e melancolia e a amizade entre Enid e Rebecca é a representação de muitas outras mundo afora.

As pichações com a frase ‘Ghost World’ podem representar um mundo que está sempre ali, mas a protagonista insiste em não ver. No fim, ela encontra várias delas pelas ruas onde caminha, mas nunca alcança quem as faz. Isso pode ser entendido como uma analogia. A vida adulta está chegando e não há como evitar.

A reposta para a pergunta de Enid, e que também é o título dessa observação, sobre qual é seu estilo, é respondida por seu amigo Josh: “É desafiar definições”. Eu concordo, e vocês?

MUNDO FANTASMA
Título original: Ghost World
Roteiro e arte: Daniel Clowes
Tradução: Maurício Muniz
Editora: Gal Editora
Ano de lançamento: 2011

HQ observada por Tiago Oliveira.

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