O que parece mais uma verbete de Wikipédia é meu resumo da vida deste estadunidense que alcançou o auge de sua fama nos anos 1980/90. O objetivo desta Observação não é falar de uma pessoa que nunca conheci, mas de suas obras mais conhecidas que tive a honra de assistir.
Ou seja, para melhor acompanhar a leitura, sugiro que tenha visto muita sessão da tarde nos anos 1980 e 1990. Mais especialmente os filmes: GATINHAS E GATÕES, CLUBE DOS CINCO, MULHER NOTA 1000 e CURTINDO A VIDA ADOIDADO.
Claro que cada um desses renderia um texto a parte, mas se prestar atenção neles sabe que, além da temática parecida, há muita semelhança na forma de conduzir os filmes.
Então, prepare a pipoca. Te espero no parágrafo abaixo!
VIVA OS ANOS 80
Se tem uma coisa que ninguém em Hollywood no auge dos anos 1980 pode negar e que não havia outro nome que soubesse dialogar tão bem com a geração de jovens do período quanto John Hughes.
Hughes começou vendendo piadas para artistas conhecidos nos anos 70, como Rodney Dangerfield e Joan Rivers, logo após largar a Universidade do Arizona. Depois de passar por agências de publicidade, entrou para a equipe da revista National Lampoon, saudosa publicação baseada no humor e na comédia estadunidense.
Para ter uma ideia do sucesso da revista, ela rendeu filmes, programas de rádio, peças de teatro, gravações, além de livros. John Belushi, Chevy Chase, Gilda Radner, Bill Murray, Brian Doyle Murray, Harold Ramis e Richard Belzer foram alguns dos nomes que ganharam projeção primeiro com suas performances em shows nos palcos e nos programa de rádio da National Lampoon.
E foi lá que surgiu o primeiro grande roteiro de cinema de Hughes, National Lampoon’s Vacation (mais conhecido no Brasil como Férias Frustradas), de 1983, dirigido por Ramis e tendo Chevy Chase como protagonista. O sucesso renderia uma continuação dois anos depois.
Sua estreia na direção deu-se justamente entre esses dois filmes, com Gatinhas e Gatões.
O HOMEM QUE ENTENDIA OS JOVENS
Os atores Molly Ringwald e Anthony Michael Hall viraram sinônimo do cinema de Hughes.
Molly vinha de participações especiais nas séries Vivendo e Aprendendo e Arnold. Em um período com belas atrizes no cinema estadunidense como Michelle Pfeiffer, Jennifer Grey, Broke Shields e Melaine Griffith chega a ser incrível como a jovem de 16 anos na época de seu primeiro filme com o diretor/roteirista acabou alçada ao posto de musa teen da década. Seus cabelos ruivos e curtos chamavam bastante a atenção por serem diferentes do habitual.
Enquanto isso, o pequeno e estranho Hall, que ganhou espaço como filho de Chevy Chase em Férias Frustradas, viria se destacar com um tipo de papel não muito bem quisto nos anos 80, o de nerd (filmes como A Vingança dos Nerds, de 1984, ainda que tivessem um fundo positivo, mais ajudavam a aumentar o estigma sobre este grupo social do que melhorar sua imagem).
Foi com os dois atores que Hughes fez sua estreia na direção com Gatinhas e Gatões (Sixteen Candles, no original). O filme conta a história de uma jovem (Molly) que tem seu aniversário de 16 anos esquecido, porque todos os familiares estão focados no casamento de sua irmã.
A obra, ainda que bastante simples e despretensiosa, rende boas risadas, com destaque para a boa atuação cômica de Anthony Michael Hall, que sequer tem nome no filme (nos créditos é mencionado apenas ‘Geek’), e com Molly mostrando que era o sinônimo real da juventude de sua época, com receios e atitudes impensadas.
TRADUÇÕES
Pausa para um intervalo.
Entendo que as distribuidoras tupiniquins sempre tentam, quando trazem um filme para cá, retrabalhar o título de forma que seja chamativo para um público mais amplo. Mas, falando especialmente das obras de John Hudghes, nunca ouve muito acerto. Sério! Repare nos títulos originais:
1984 - Gatinhas e Gatões = Sixteen Candles (Dezesseis Velas)
1985 - Clube dos Cinco = The Breakfast Club (O Clube do Café da Manhã)
1985 - Mulher Nota 1000 = Weird Science (Ciência Estranha)
1986 - Curtindo a Vida Adoidado = Ferris Bueller's Day Off (O Dia de Folga de Ferris Bueller)
1987 - Antes Só do que Mal Acompanhado = Planes, Trains & Automobiles (Aviões, Trens & Automóveis)
1988 - Quem Vê Cara Não Vê Coração = Uncle Buck (Tio Buck)
1989 – A Malandrinha = Curly Sue (Sue Encaracolada)
Omiti um, não vou negar. Afinal, Ela Vai Ter um Bebê (She's Having a Baby), que tem em seu elenco Kevin Bacon, Elizabeth McGovern e Alec Baldwin, é a tradução literal do nome em inglês.
Um ponto relevante é que, cá entre nós, ainda que os títulos dos filmes de Hughes por serem nada mais do que o resumo óbvio da trama de cada um deles demonstra certa falta de originalidade.
Algumas das escolhas em português ficaram bem mais interessantes, na minha opinião, como é o caso do Curtindo a Vida Adoidado. Embora, considere que Gatinhas e Gatões tenha sigo algo bem genérico, ao passo que Sixteen Candles faz homenagem a uma música de mesmo nome da banda The Crests (no filme a música é tocada, mas em uma versão feita por The Stray Cats).
Fim do interlúdio, voltemos a nossa programação normal!
OUTRAS OBRAS, GRANDES OBRAS
Por serem histórias simples, os filmes de Hughes eram produzidos de forma muito rápida e com proximidade grande de um para outro. Isso também fez com quem houvesse bastante semelhança entre eles. Mas, da mesma forma, muita diferença pode ser apontada.
O que há de igual?
Bom, Molly Ringwald e Anthony Michael Hall! Os dois praticamente reprisam tão bem o mesmo papel nos dois primeiros filmes de Hughes como diretor a tal ponto de você estranhar que eles não se conheçam de um para o outro. Molly é bela garota mimada, mas rebelde (papel que ela também executa muito bem em A Garota de Rosa Shocking, que tem apenas o roteiro de Hughes). E Hall, o nerd que quer se dar bem de uma forma ou outra (papel que também retoma em Mulher Nota 1000).
E como eles são fios condutores de Gatinhas e Gatões e Clube dos Cinco, muita semelhança vem daí.
Todas as quatro histórias são bastante simples:
- Garota tem seu aniversário de 16 anos esquecido;
- Grupo de jovens fica de castigo em um sábado na escola;
- Dois nerds resolvem criar sua mulher perfeita no computador e ela se torna real.
- Três jovens fogem da escola para aproveitar o dia.
Os filmes expressam o que a juventude dos anos 1980 (e por que não as demais, visto que os filmes ainda são bem atuais?) queria: fugir e aproveitar a vida, descobrir coisas novas, serem livres por serem quem são, se apaixonar e ter poder de escolher quem amar.
Destaco sobre este último ponto o final de Gatinhas e Gatões, quando Samantha (Molly) entra no carro com Jake e seu pai dá sinal de ok pela escolha dela. Era, afinal, o pai que muitas garotas queriam! Aquele que apoiasse suas decisões.
As diferenças?
Possivelmente, Curtindo a Vida Adoidado seja o que mais destoa desta fase de Hughes na direção. Liderada por Matthew Broderick, vindo de obras mais adultas (como o cibernético Jogos de Guerra e a fantasia O Feitiço de Áquila), a obra tem um elenco totalmente novo do que ele estava acostumado a trabalhar e no qual demonstra estar bem mais maduro. Talvez por isso, esta seja considerada sua obra-prima.
Como dito acima, a história é basicamente sobre um grupo de jovens que engana o diretor da escola (de uma forma genial!) para ter o dia livre.
Aqui, Hughes, na voz de Ferris Bueller (Broderick), usa uma ferramenta bastante interessante no cinema: a quebra da quarta barreira. O termo é dado para quando um personagem do filme ou série conversa com o espectador. O diretor já havia usado, ainda que em forma diminuta, em Gatinhas e Gatões, quando o nerd (Hall) fala “as coisas estão melhorando” virado para a câmera ao conseguir andar de Rolls Royce com uma bela garota ao seu lado (ainda que bêbada e cochilando).
Em Curtindo a Vida Adoidado, a ferramenta dá outro olhar ao filme. Bueller passa a explicar cada passo que dará na história, deixando clara suas motivações.
Outro exemplo de diferença entre as obras de John Hughes que vale a pena ser citada está em Clube dos Cinco, onde temos um debate bastante interessante sobre a divisão por grupos sociais dentro dos muros da escola.
E é um debate que se aprofunda tanto que chega a desconcertar os personagens: “Eu estava pensando. Sei que é uma hora bem estranha, mas estive pensando... O que vai acontecer na segunda-feira quando nos reencontrarmos? Considero vocês meus amigos. Estou errado?”
A questão é que muitas vezes os riscos são tão grandes que não vale a pena romper barreiras. Ou a diversão estará em justamente em rompê-las. Essa é a resposta da questão acima dita por Brian (Hall), que fica a critério do espectador imaginar o futuro deles, uma vez que o objetivo do filme é mostrar apenas aquele sábado.
VIDA PÓS-DIREÇÃO
John Hughes ainda dirigiu mais quatro filmes: Antes Só do que Mal Acompanhado, Ela Vai Ter um Bebê, Quem Vê Cara Não Vê Coração e A Malandrinha.
Entretanto, a parte da sua primeira fase a frente das câmeras, é mais lembrado por roteirista por comédias de grande ou relativo sucesso, como Esqueceram de Mim 1, 2 e 3 (os dois primeiros dirigidos por Chris Columbus e com o astro mirim Macaulay Culkin), Flubber – Uma Invenção Desmiolada (com Robin Williams), Dennis, o Pimentinha (com Walter Matthau) e 101 Dálmatas (com Glenn Close e Jeff Daniels), além da série cinematográfica Beethoven, onde assina como Edmond Dantès (em uma homenagem ao protagonista do romance O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas).
O que dá para dizer é que após seu sucesso como diretor de filmes para jovens e de ter tentado carreira como diretor de filmes de comédias para um público mais amplo, Hughes focou-se em escrever histórias para um público mais infantil.
O porquê desta guinada nunca ficou muito claro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não assisti o documentário Don't You Forget About Me, de Matt Austin-Sadowski, sobre a vida e obra de Hughes. Não sei o porquê, mesmo depois de seguidos sucessos, dele ter se retirado da cadeira principal de filmagem e assumindo uma vida de mero escritor de roteiros para filmes de outros.
Revendo os filmes para este texto elaborei uma ideia em minha cabeça do que talvez tenha acontecido, ao menos em partes:
É possível que o prolífico John Hughes tenha compreendido que seus filmes, enquanto diretor, eram de certa maneira datados. Seu entendimento enquanto juventude resumiu-se ao grupo de histórias que procurou contar, principalmente nos seus quatro primeiros filmes.
Isso lembrando que ele comentou em entrevistas que os papeis de Anthony Michael Hall eram retirados da sua própria vivência naquela idade.
Sua outra metade de filmes como diretor não teve um retorno muito positivo, apesar do elenco recheado e com boas pegadas de humor. Talvez ele funcionasse melhor como diretor de filmes para jovens daquele determinado período, mas não para um público mais amplo.
Ou posso estar totalmente errado. E ele abandonou a carreira de diretor porque cansou, porque preferiu ficar apenas nos roteiros.
John Hughes com o ator John Candy |
No começo do século XXI, chegou-se a cogitar remakes de Mulher Nota 1000 e Clube dos Cinco, além de possíveis (e interessantes!) continuações de A Garota de Rosa Shocking, Curtindo a Vida Adoidado e do mesmo Clube do Cinco. Nenhum projeto foi levado adiante até o momento.
Ao menos, John Hughes teve tempo de produzir grandes e marcantes obras no cinema, soube entender uma geração de jovens. Isso em si já é louvável e rendeu excelentes horas a frente da TV em sessões da tarde.
Diga que nunca viu nenhuma dessas cenas na Sessão da Tarde! |
Título original: Sixteen Candles
País de origem: EUA
Ano de lançamento: 1984
Roteiro: John Hughes
Direção: John Hughes
Elenco: Molly Ringwald, Anthony Michael Hall, Michael Schoeffling e John Cusack
CLUBE DOS CINCO
Título original: The Breakfast Club
País de origem: EUA
Ano de lançamento: 1985
Roteiro: John Hughes
Direção: John Hughes
Elenco: Molly Ringwald, Anthony Michael Hall, Emilio Estevez, Judd Nelson, Ally Sheedy, Paul Gleason e John Kapelos
MULHER NOTA 1000
Título original: Weird Science
País de origem: EUA
Ano de lançamento: 1985
Roteiro: John Hughes
Direção: John Hughes
Elenco: Anthony Michael Hall, Kelly LeBrock, Ilan Mitchell-Smith, Bill Paxton e Robert Downey Jr.
CURTINDO A VIDA ADOIDADO
Título original: Ferris Bueller’s Day Off
País de origem: EUA
Ano de lançamento: 1986
Roteiro: John Hughes
Direção: John Hughes
Elenco: Matthew Broderick, Alan Buck, Mia Sara, Jeffrey Jones, Jennifer Grey e Charlie Sheen
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