A Vida Como Ela É | O anjo, ou melhor, a cunhada

“Estas vendo minha irmã... bonita, não? Por enquanto Alicinha é uma criança, mas daqui a um ano ou dois, vai ser uma mulher e tanto...”. 

Com essas palavras, Nelson Rodrigues descreveu a cena de um de seus contos mais famosos, O ANJO.

Cena essa onde Dagmar invoca sentimentos diversos de seu noivo, Geraldo, sobre sua irmã mais nova.

Para entender melhor o que se passa, primeiro vamos elaborar a obra e entender o universo Nelson Rodrigues.

Não percamos tempo, então, parta logo para esta Observação.

NELSON RODRIGUES

Nelson Rodrigues
Jornalista e escritor brasileiro do séc. XX, que escreveu diversas peças, obras, crônicas, romances e de suas obras, saíram telenovelas e filmes.

Entre seus diversos trabalhos, vamos destacar um conto, que faz parte do livro Cem contos escolhidos - A vida como ela é... (1972), denominado O Anjo. Destaco por ser uma das histórias mais intrigantes que li do autor.

O cenário dos contos de A vida como ela é... é o Rio de Janeiro dos anos 50. Uma cidade em que casanovas de plantão e mulheres fabulosas flertavam nos ônibus e bondes.

O ANJO

Antes de iniciar a Observação, advirto que vou elucidar o texto tanto impresso, quanto sua versão televisiva, feita pela TV Globo em 1996.

A lista de personagens presente na versão televisa são:

Dagmar, interpretada por Cláudia Rodrigues;
Geraldo, interpretado por Leon Góes;
Alicinha, interpretada por Gabriela Duarte;
Pai de Alicinha e Dagmar, interpretado por Ivan Candido;
Mãe de Alicinha e Dagmar, interpretada por Rosamaria Murtinho;
Delegado, interpretado por Tonico Pereira.

A série foi adaptada por Euclydes Marinho, com colaboração de Denise Bandeira e Carlos Gregório. A série teve direção-geral de Daniel Filho, codireção de Denise Saraceni, produção do núcleo Daniel Filho.

O CONTO

Geraldo e Dagmar
História se passa no universo da classe média alta do Rio de Janeiro. Dagmar sempre teve um ciúme doentio de sua irmã caçula, Alicinha, a ponto de acreditar que o noivo poderia vir a traí-la com a própria irmã. Nem os pais conseguem demovê-la dessa ideia fixa. Parafraseando o Pai de Dagmar, “você pôs maldade onde não há” e ainda advertiu sua filha: tanto ciúme acaba por despertar o interesse do noivo pela cunhada.

(Nelson colocava em seus textos o que todo mundo pensa, sente ou tem vontade de fazer, mas que o pudor e o bom senso jamais permitiriam)

Enquanto isso, a família de Dagmar tentava fazer sua neura passar, com idas ao psicanalista e conversa com conselheiros.

Alicinha
A história continua com Alicinha crescendo aos olhos da sociedade, e a semente colocada em Geraldo, por Dagmar, crescia com ela, ao ponto do cunhado, em conversa com amigos, brincar com as palavras: “não há mulher mais bonita, do que a cunhada bonita”.

(Para entender o contexto da obra é necessário interpretar a mesma, pois, nada do que é proposto acontece realmente na vida real. Se não acontece, nossa mente acaba por fazer, pois quem nunca teve uma imaginação com a cunhada?)

Dado momento, Alicinha percebe o que acontece e começa a investir em Geraldo. Ao adentrar em seu escritório, senta sobre a mesa, com suas vestimentas escolares, saia e meia ¾. Debruçada sob ela indaga-o:

“Tens medo de mim, sim ou não?”

Ao confrontar Geraldo, começa a arte de seduzi-lo, aquela arte que uma mulher madura sabe de cor e salteado, mas que Alicinha, então com 16 anos, também sabia.

(Nessas inquietudes que a vida nos prega, Nelson amarrava o leitor, pois ali mexia com o inconsciente. Fato era que se não acontecia aquilo na sua vida, sabia-se que alguém em algum lugar, passava o mesmo que o que estava descrito em seus textos)

Alicinha continuou a perturbar Geraldo, que não cometia infidelidade a Dagmar. Em todos os lugares, a tentação era Alicinha, mas a promessa a Dagmar ainda estava soando em sua cabeça, mas uma hora a carne é fraca...

Tanto que um dia... a cunhadinha liga para Geraldo para que o mesmo fosse a sua casa. Chegando a residência, Geraldo depara que está sozinho com ela, e que a mesma pede-lhe que faça um favor, possua-a de corpo e alma.

Mas não era só isso, tinha que ser no quarto de Dagmar, na cama de Dagmar, ela planejou tudo. Vestida com saia e uma blusa sem sutiã, tramou para que Geraldo caísse em tentação  e seduziu o mesmo para que o ato fosse feito. Porém...

(Sabemos como é Nelson Rodrigues, nem tudo que reluz é ouro)

Antes mesmo de consumir Alicinha, Geraldo toma-se por pânico de trair a esposa e enforca a garota, ali, na cama de Dagmar, envolto em seus lençóis onde a cunhada queria.

Dagmar ao chegar a casa, vê a cena da irmã morta em sua cama, seminua, mas intacta. E ao pânico, tenta ir ao encontro de Geraldo, que nessa altura estava na delegacia para se autoproclamar culpado pela morte de Alicinha.

Adentrando na delegacia, uma cena que ninguém esperava: Dagmar polvorosa, abraça Geraldo e aos prantos, beijando-o loucamente, gritando que lhe amava e dizendo ao final “graças... finalmente meu amor”.

(Esse era o jeito Nelson Rodrigues)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os textos de Nelson Rodrigues trazem um pouco da tragédia grega ao universo contemporâneo carioca do século XX. Assim como no conto O Anjo, o erotismo esteve presente em todas as obras, que traz certo tom de realismo à sua obra.

As histórias saíam de casos que lhe contavam, da sua própria observação dos subúrbios cariocas ou das cabeludas paixões de que ele ouvira falar em criança. Mas principalmente da sua meditação sobre o casamento, o amor e o desejo.

Para entender Nelson é preciso 'conhecer' o Nelson. Mergulhar no universo, que pode ser o seu também. Tenha certeza, que alguma hora, você se encontra ali. Porque qualquer um está ali também. Ou vocês nunca ouviram falar de alguma dessas histórias por ai? Em jornais, pessoas próximas ou não. Afinal... é a vida como ela é.

A VIDA COMO ELA É – O ANJO
Autor: Nelson Rodrigues
Editora: Agir
Ano de lançamento: 2006
País de origem: Brasil

Conto observado por João Paulo Andrade.

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