A Arte de Voar | Aliança de sangue

“Vou contar, de fato, a vida de meu pai com seus olhos, mas a partir da minha perspectiva. Posso, portanto, afirmar que foi assim que ele se suicidou. Do mesmo modo, posso também afirmar que, mesmo que parecessem alguns segundos... meu pai levou noventa anos para cair do quarto andar”.

No dia 4 de maio de 2001 Antonio Altarriba se suicidou após longos quinze anos de depressão. Em sua tentativa de explicar os motivos que levaram o pai aquele ato, o escritor de mesmo nome, junto ao cartunista Kim, explorou sua história uma tocante história em quadrinhos, chamada A ARTE DE VOAR.

Navegue conosco na Observação sobre esta história e ainda conheça um pouco mais sobre a Guerra Civil Espanhola, que faz parte do contexto histórico da vida de Antonio.

SEM MEDO DE FUGIR

Tudo que Antonio queria quando criança era fugir do vilarejo de Peñaflor, onde era oprimido pelo pai, que o obrigava a trabalhos baixos e cansativos, e tinha um único amigo, Basílio. Foi este mesmo amigo que o ajudou em sua primeira fuga, emprestando-lhe a bicicleta para que ele fosse a Saragoça. Mas aquilo durou apenas três meses.

A segunda fuga foi em sonhos. “Adorava as brincadeiras que me faziam esquecer a realidade”. Mas a realidade veio abaixo com a morte do querido amigo e assim ele partiu para a vida, fugindo novamente para uma cidade grande. Mas o mundo estava diferente do que ele deixara, um republica havia se instaurado na Espanha em 1931. E a partir daí a realidade que Antonio tanto temia surgiu para suga-lo.

VOCÊ SABE O QUE FOI GUERRA CIVIL ESPANHOLA?

Embora o conflito tenha ocorrido entre 1936 e 1939, precisamos voltar um pouco mais para explicar suas razões. A principal delas foi desencadeada em 1930, após a queda da ditadura de Miguel Primo de Rivera, protegido do então rei Afonso XIII, instaurando assim a Segunda República Espanhola.

Mas neste momento o país ibérico possuía dois fortes grupos opositores:

- Forças nacionalistas e fascistas: aliadas a instituições tradicionais da Espanha, dentre elas o Exército, a Igreja e os Latifundiários (grandes proprietários de terra).
- Frente popular: base do Governo Republicano Espanhol, representados pelos sindicatos, partidos de esquerda e os partidários da democracia.

O primeiro grupo defendia a volta da monarquia, enquanto o segundo – contrário às forças fascistas que haviam dominado Itália (em 1922), Alemanha (em 1933) e Áustria (em 1934), defendia a recém-implantada República.

Durantes os primeiros anos após mudança governamental na Espanha seguiram uma sucessão de ações que deram origem ao conflito, como a tentativa de golpe do general monarquista Sanjurjo, em agosto de 1932, e o episódio conhecido como Comuna das Astúrias, em 1934, quando conselhos operários tentaram uma resistência em Gijon contra a crescente tropa do então General Francisco Franco.

General Francisco Franco
No dia 18 de julho de 1936, data considerada como o início da Guerra Civil, Franco insurgiu o exercito contra o governo Republicano. A população de Madri e Barcelona, entretanto, impediu o golpe, o que contribuiu para a formação das milícias anarquistas e socialistas.

As forças militares angariadas por Franco acabaram, por fim, mostrando-se superiores e isolaram os republicanos na região da Catalunha (cuja capital é Barcelona). A monarquia foi novamente instaurada, mas as consequências foram vistas por muitos anos ainda.

As baixas da Guerra Civil Espanhola oscilam entre 330 e 405 mil mortos, meio milhão de prédios foram destruídos, metade do gado Espanhol morto, além disso a renda per capita reduziu em 30% e fez com que a Espanha afundasse numa estagnação econômica que se prolongou por quase 30 anos. A Catalunha perdeu a autonomia e teve forte repressão cultural e linguística, que só foram retomadas em 1975 após a morte do general Franco e a abertura de eleições livres.

DE QUE LADO VOCÊ ESTÁ

Para quem Antonio lutou? Inicialmente – não muito voluntariamente – por aqueles que queriam o retorno da monarquia, mas assim que pode teve sua terceira fuga, desta vez para o lado dos comunistas. Fora de um contexto preciso, fica difícil saber se a decisão foi acertada. Se aquele lado era o certo ou não e, embora não seja a intenção do autor defender bandeiras quanto a Guerra Civil Espanhola, Antonio julgou que sim naquele momento, mas pagou – e caro – por isso.

Os autores espanhóis Antonio Altarriba
(em cima) e Kim
Depois disso, ainda se envolveu em guerrilhas na França decorrentes da Segunda Guerra Mundial, abandonou uma garota por quem havia tido uma paixonite, roubou carvão. Entre os anos de 1949 e 1985 casou-se e envolveu-se em uma conspiração para tomar uma empresa de um homem cuja mulher queria vingar-se de suas estripulias. Mas novamente as coisas não deram certo. Enfim, veio a melancolia e a depressão. Durante algum tempo Antonio ainda aguentou, até se lançar na sua nova fuga, mas fugir para um lugar onde jamais o fariam retornar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ARTE DE VOAR é um belíssimo retrato da vida real. Antonio, o pai, tentou tudo que pode para viver seus sonhos, mas perdeu-se nos mesmos quando diversos fatores externos o puxavam para uma realidade dura e difícil.

Antonio, o filho, entretanto, soube dar vida àquele personagem, mostrou que apesar da tortura pessoal sofrida de seu progenitor e uma morte aparentemente cruel, ele por fim se libertou. A aliança de sangue nunca foi rompida.

A ARTE DE VOAR
Título original: El Arte de Volar
Roteiro: Antonio Altarriba
Desenhos: Kim
Tradução: José Feres Sabino
Editora: Veneta
Ano de lançamento: 2012

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