O Médico e o Monstro | Clássicos superados

O presente livro a ser Observado acompanha a investigação do advogado Gabriel John Utterson sobre as estranhas ocorrências com seu amigo Dr. Henry Jekyll, um homem recatado, elegante, que protege, até depois de sua morte, Edward Hyde, um criminoso de feições grosseiras e hábitos assustadores.

Já sabe de quem estamos falando? Ele mesmo, um dos maiores clássicos da literatura de horror: O MÉDICO E O MONSTRO, de Robert Louis Stevenson.


Entretanto, já adianto que não encontrará aqui uma defesa da obra. Pelo contrário, o objetivo deste texto é demonstrar que certas histórias podem perder o fôlego com o passar dos anos, mesmo ser perder o brilho e a importância.

Vamos lá?

COM UM MONSTRO DENTRO SI

As pessoas podem não ler o livro clássico, mas muito provavelmente já conhecem a história de Jekyll e Hyde.

Tendo sido publicado em 1886, a obra guarda muito de sua época. Não apenas na representação de Londres no fim do século XIX, como também um estilo literário ocidental bastante em alta no período: o horror.

Nascido no século XVIII com o livro Castle of Otranto (1764), de Horace Walpole, o gênero horror tem como características principais a provocação de medo em seus leitores, seja de forma emocional, psicológica ou física. A obra de Walpole ganhou destaque por incorporar pela primeira vez elementos do sobrenatural, em detrimento da realidade. Seguiu-se Vathek (1786), de William Beckford; The Mysteries of Udolpho (1794) e The Italian (1796), ambos por Ann Radcliffe; e The Monk (1797), de Matthew Lewis.

Mas foi no século seguinte que o gênero recebeu maior destaque, com as publicações de Frankenstein (1818), de Mary Shelley; contos de Edgar Allan Poe; O Médico e o Monstro, de Stevenson; O Retrato de Dorian Gray (1890), de Oscar Wilde; e Drácula (1987), de Bram Stocker.

Estas obras ganharam muita força ainda com o nascimento do cinema, principalmente em sua fase preto e branco.

H. P. Lovecraft (1890 - 1937)
Já no século XX, os grandes expoentes foram Stephen King, que segue no gênero até os dias atuais, e H. P. Lovecraft, considerado um dos melhores escritores do horror e a quem cabe a célebre frase:

“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”.

DECADÊNCIA DO HORROR

Sim, o subtítulo acima é para chamar a atenção. O gênero horror não se encontra em decadência, mas perdeu muito do apelo com a ascensão de outros dois: o terror e o suspense.

Suspense é um sentimento de incerteza ou ansiedade mediante as consequências de determinado fato, mais frequentemente referente à perceptividade da audiência em um trabalho dramático. Não é, porém, uma exclusividade da ficção, pode ocorrer em qualquer situação onde há a possibilidade de um grande evento ou um momento dramático, com a tensão como emoção primária mediante a situação.

Alfred Hitchcock (1899 - 1980)
Talvez o maior expoente do gênero, que aflorou muito mais no cinema do que na literatura, seja o diretor Alfred Hitchcock, famoso por Um Corpo que Cai (1958), Pássaros (1963) e Psicose (1960).

Já o gênero terror é comumente confundido por horror, visto que uma linha bastante tênue separa os depois. A diferenciação, segundo Ann Radcliffe, existe no fato do terror ser geralmente descrito como o sentimento de medo e expectativa que precede uma experiência terrível. Enquanto o horror está associado ao sentimento de repulsa que geralmente ocorre depois que algo assustador é visto ou ouvido.

Destaque entre as obras de terror destaca-se: Bruxa de Blair (1999), Jogos Mortais (2004 - 2010) e Atividade Paranormal (2007 - 2012).

OBRAS A PARTIR DO CLÁSSICO

A primeira adaptação para outra mídia começou cedo, logo em 1887, com a peça Thomas Russell Sullivan's Dr. Jekyll and Mr. Hyde, exibida em Boston. Nos cinemas, a primeira data de 1908 e não possui mais cópias, perdendo-se totalmente no limbo cinematográfico. Já nos dias atuais, coube a TV uma adaptação digna da obra, com produção de Steven Moffat (Doctor Who) para a emissora inglesa BBC.

Apesar dessas referências, talvez a mais famosa adaptação do personagem para outra mídia seja o herói da Marvel Comics Hulk. Na história, o Dr. Robert Bruce Banner, um cientista que acaba atingido por raios gama, após uma tentativa de salvar um adolescente durante um teste militar de uma bomba por ele desenvolvida. Ele acaba transformando-se em um gigantesco mostro verde (cinza no original) chamado Hulk. Sua manutenção com destaque nas HQs até hoje demonstra que, apesar de perdido o foco original do livro, a obra ainda mostra-se funcional.

Outra prova de que o personagem de dupla personalidade já está inserido na cultura moderna é sua participação também em desenhos animados, como Pernalonga e Tom e Jerry.

Em um episódio bastante famoso da série Looney Tunes, intitulado O Coelho e o Monstro (Hyde and Hare, no original), de 1955, Pernalonga finge se deixar atrair por um doutor de nome Jekyll para conseguir conforto. Mas ao chegar à casa do médico depara-se com uma monstruosidade. No fim, até mesmo o protagonista acaba transformado, após ingerir a bebida que transformara o doutor no Senhor Hyde.

A referência na animação de Tom e Jerry é ainda mais antiga, de 1947, no episódio O Médico e o Monstrinho (Dr. Jekyll and Mr. Mouse, no original), que tem direção de William Hanna e Joseph Barbera. Na história, Tom não consegue evitar que Jerry tome seu leite, então resolve se vingar, inventando uma fórmula que o livraria de uma vez por todas do rato. Entretanto, a fórmula transforma Jerry em um monstro bem forte e é ele quem sofre as consequências.

Isso sem mencionar obras em que o próprio personagem (Hyde/Jekyll) está presente, caso do filme Van Helsing – O caçador de monstros e da HQ A Liga Extraordinária, de Alan Moore.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É difícil encarar hoje O Médico e o Monstro e sentir medo!

Nos dias de hoje, o horror em si pouco amedronta, porque já foi mostrado de todas as maneiras em livros, histórias em quadrinhos, filmes e séries. A obra trabalhada não deixa de ser um clássico porque ainda oferece para a cultura um elemento desenvolvido por ela que é a dupla personalidade, a existência de um monstro dentro de uma pessoa ‘de bem’.

Mas é inevitável citá-la como superada, justamente pelo cinema, que possui um alcance muito maior e por conta disso mais presente na sociedade, não conseguir trabalhar grandes obras do gênero. ‘Monstros’ como Freddy Krueger, Jason, Palhaço Assassino e Chucky – O boneco assassino; ou mesmo os clássicos Drácula, Frankenstein, Múmia, Lobisomem e Monstro do Lago Ness, já não oferecem boas histórias para espectadores e leitores no mundo.

É claro que existem exceções: a literatura e o cinema japoneses estão aí com grandes obras como Monster e O Chamado, e são um exemplo claro de que ainda é possível trabalhar bem o gênero. Mas também porque tem um pouco de suspense misturado.

Ainda assim a leitura é recomendável porque através dos clássicos é possível entender boa parte das histórias atuais, além de ter um acompanhamento das épocas em que foram escritos.

O MÉDICO E O MONSTRO
Título original: Dr. Jekyll and Mr. Hyde
Autor: Robert Louis Stevenson
Editora: L&PM
Páginas: 112
Ano de lançamento: 2002

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